Por Rafaela Miranda Santos e Tânia Heloisa de Moraes[1]
Nós, mulheres negras quilombolas, temos diversas trajetórias e não poderÃamos aqui abarcar todas as vivências que essas mulheres carregam. São mães, jovens, anciãs, benzedeiras, parteiras, lideranças, agricultoras, sábias, militantes, entre tantas outras. Dentro e fora do território essas mulheres têm grande importância, são guardiãs, cuidam de suas casas, dos filhos, da roça, da culinária, do plantio, na preparação das Ervas Medicinais, na construção da geração e na
tomada de decisões coletivas.
Somos mulheres de resistência e força, pois infelizmente são muitas as lutas. Pertencemos a territórios de ancestralidade e assim como viveram nossos ancestrais, continuamos dia a dia a lutar, pelo nosso direito de ser, existir e de permanecer em nosso território, defendendo nossa identidade e autonomia, na busca de ter direitos básicos reconhecidos como o acesso a água, a saúde, ao transporte público, a educação de qualidade, a segurança e a igualdade, de uma luta que é coletiva, em defesa da nossa comunidade.
Somos desafiadas todos os dias, pois são tantas as opressões, o racismo estrutural, o machismo e ameaças ao nosso território, como a falta de regularização fundiária, os impactos de empreendimentos como os minerários e os de hidrelétrica, pelo agronegócio, pelo governo genocida, pelo feminicÃdio, pela falta de polÃticas públicas especÃficas, são tantas as violações e as tentativas de silenciamento das nossas lutas.
Ainda assim, tentamos cada dia mais unir forças para ocupar os nossos espaços. Antes as mulheres iam da roça pra casa, levando os filhos pra cima e pra baixo e nem sequer tinham tempo pra descansar. Algumas mulheres nem sequer podiam conversar com o próximo, pois o espÃrito machista era e ainda é algo muito presente, e isso precisa ser superado coletivamente. O que seria do quilombo sem as mulheres? Temos um papel fundamental no nosso território e isso deve ser reconhecido.
Quantas mulheres quilombolas morreram sem sequer ver seu território titulado como Terezinha do Quilombo Praia Grande, no municÃpio de Iporanga – SP, Elisa e Pedrina do Quilombo Sapatu, Petrunilha do Q. São Pedro, Santina do Q. Nhunguara, estas últimas no municÃpio de Eldorado (SP), Dandara dos Palmares (PE) e tantas outras mulheres quilombolas. Mas não podemos deixar que os sonhos e que as conquistas acabem, que possamos seguir nos inspirando em tantas outras mulheres, assim como a Dona Elvira do Q. São Pedro, Dona Leonila do Q. Abobral Margem Esquerda, Jovita do Q. Galvão, Dona Diva e Nany do Q. Pedro Cubas de Cima, Maria da Guia do Q. Ivaporunduva, Dona Zulmira e Gabriele do Q. Porto Velho, Nilce do Q. Ribeirão Grande/Terra Seca – lideranças da região do Vale do Ribeira SP, Isabela da Cruz do Q. Paiol de Telha (PR), Dra. Vercilene Dias do Q. Kalunga (GO), mulheres que preservam a cultura e o nosso modo de fazer e viver, na dança, na comida tradicional, no artesanato, na luta, na roça, na polÃtica e em tantos outros espaços.
Mas para além desse cuidado e dessas lutas, que possamos também ser acolhidas, por nós mesmas e pela nossa
comunidade, seja no território ou fora dele,
e que a nossa voz seja ouvida.
[1] Rafaela Eduarda Miranda Santos, liderança quilombola, Quilombo de Porto Velho – Iporanga, SP, formada em Direito na UFPR através do PRONERA e atualmente Advogada na EAACONE (Equipe de Articulação e Assessoria à s Comunidades Negras do Vale do Ribeira SP/PR) e pós graduanda em Direito Ambiental; Tânia Heloisa de Moraes, liderança quilombola do Quilombo Ostra, Eldorado-SP, mãe, articuladora na EAACONE (Equipe de Articulação e Assessoria à s Comunidades Negras do Vale do Ribeira SP/PR).