Por Megg Rayara Gomes de Oliveira*
Oficialmente o Movimento Social de Travestis e Transexuais é inaugurado no Brasil em 1992 com a fundação da Associação de Travestis e Liberados do Rio de Janeiro – ASTRAL e se justifica pela necessidade de discutir questões próprias do universo travesti e transexual, como identidade de gênero, nome social, despatologização das identidades trans, hormonização, violência, educação, mercado de trabalho, tráfico de pessoas, silicone industrial, prevenção a infecções sexualmente transmissíveis, HIV/AIDS, dentre outros.
No entanto, somente em 2003, no primeiro mandato do então Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a elevação da Secretaria de Direitos Humanos à categoria de ministério, é que políticas públicas dirigidas a população de travestis e transexuais se efetivaram.
No dia 29 de janeiro de 2004, 27 travestis e mulheres transexuais, ocuparam o Congresso Nacional em Brasília para lançar a campanha “Travesti e Respeito” em parceria com o Ministério da Saúde, com o objetivo de promover a cidadania dessa parcela da sociedade, historicamente excluída.
Ainda em 2004, o programa “Brasil sem Homofobia” foi desenvolvido com o intuito de promover a cidadania e os Direitos Humanos da população LGBT a partir de
equiparação de direitos e do combate à violência e à discriminação.
Já em 2005 o fortalecimento do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos LGBT passou a contar, obrigatoriamente, com a participação de membros da comunidade LGBT.
Finalmente em 2008, a Portaria Nº 457, de 19/08/2008 regulamentou o processo transexualizador na rede pública de saúde, em todo o território nacional, atendendo uma das principais reivindicações do movimento social de travestis e transexuais.
Em 2011, a portaria Nº 1.612 do Ministério da Educação assegurava às pessoas travestis e transexuais, o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito do Ministério da Educação. Dois anos depois em 2013, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a contemplar o atendimento completo para travestis, transexuais, como hormonização e cirurgias de colocação de próteses mamárias e redesignação genital. A identidade de gênero também passou a ser respeitada com a inclusão do nome social no cartão do SUS.
Outro passo importante foi dado na área da educação em 2014, ano em que pela primeira vez, travestis e transexuais puderam usar o nome social no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A medida foi celebrada por ativistas em todo o país, pois de imediato atraiu mais candidatas e candidatos ao exame.
Em 2016, a Presidenta Dilma Roussef assinou o último decreto beneficiando a população trans. O decreto Nº 8.727 de 28 de abril, permite que funcionárias e funcionários do serviço público federal usem o nome social nos crachás de trabalho, dos quadros civil e militar.
*Megg Rayara Gomes de Oliveira é travesti, mulher negra, coordenadora do NEAB-UFPR, doutora em Educação e professora no Setor de Educação na UFPR.
Apesar de alguns avanços, o Dia Nacional da Visibilidade Trans, instituído oficialmente em 2004, é uma data não apenas para comemoração, mas para denunciar as inúmeras situações de violação de direitos e a transfobia estrutural que coloca o Brasil como recordista mundial em assassinatos de pessoas trans.
Em 2019 foram contabilizadas 11 agressões a pessoas trans por dia. Um aumento de 800% em relação ao ano anterior (ANTRA).
Ao todo. Em 2019, foram confirmadas informações de 124 Assassinatos de pessoas Trans, sendo 121 Travestis e Mulheres Transexuais e 3 Homens Trans. Destes, encontramos notícias de que apenas 11 casos tiveram os suspeitos identificados, o que representa 8% dos dados, e que apenas 7% foram presos (ANTRA).
O boletim referente ao número de assassinatos do ano de 2020, ainda em fase de conclusão, confirma que 129 pessoas trans foram assassinadas entre os meses de janeiro e agosto.
Em todas essas estatísticas, travestis e transexuais negras são a maioria, em torno de 80% das vítimas.
Em tempos de retrocessos, em que muitas pessoas afirmam que “NÃO VÃO SOLTAR A MÃO DE NINGUÉM”, é fundamental que aquelas pessoas mais fragilizadas sejam as mais acolhidas.
Estender e segurar a mão de uma pessoa trans implica comprometimento.
Implica adotar posturas não apenas no campo simbólico, mas no campo concreto, promovendo a aproximação com pautas e o desenvolvimento de políticas de acolhimento, respeito e valorização.
Desta maneira, aos poucos, braços que se encontram cruzados e inertes diante das múltiplas situações de violência dirigidas às travestis e transexuais, começariam a se mover. Começariam a tomar a forma de um abraço aconchegante onde poderíamos encontrar guarida e de fato, nos sentirmos protegidas e protegidos.